quarta-feira, 1 de junho de 2011

Empreendedorismo verde

galinha dos ovos de ouro

Nos anos 1980, surgiram os primeiros carros elétricos nos Estados Unidos. Eram silenciosos, rápidos, poluíam pouco. O estado da Califórnia chegou a solicitar às montadoras que produzissem mais modelos do tipo. Elas acataram. Mas, mimadas pelos lucros produzidos pelos veículos a gasolina, elas fizeram de tudo para que o negócio desandasse. Vendidos para o consumidor apenas em sistema de leasing, os carros foram retirados de circulação pelos fabricantes, que exigiram que os consumidores os devolvessem ao término do contrato. E assim o carro elétrico foi enterrado. No fim dos anos 2000, o cenário mudou. Hoje, carros elétricos e híbridos (movidos a eletricidade e a gasolina) são vistos pelas montadoras como uma das saídas para enfrentar a crise e um nicho de mercado forte.

O que mudou da década em que as empresas retiraram carros elétricos do mercado para hoje, em que elas disputam a dianteira desse novo negócio? De lá para cá, o mundo empresarial ficou verde. A preocupação com o clima deixou de ser exclusiva de ambientalistas e passou a ocupar o noticiário e a vida de todos. À medida que aumenta a consciência sobre a preservação ambiental, cresce também a demanda por produtos que sejam menos agressivos. E surgem novos negócios.

É tanto espaço para crescer que o empreendedorismo verde está sendo comparado ao boom da internet, quando empresas como Yahoo! e Google começavam a ganhar dinheiro da noite para o dia. Nessa corrida pelo ouro, muitas afundaram; mas também foi a hora em que surgiram gigantes como o próprio Google. “Das startups verdes de hoje surgirão os Googles e Facebooks do futuro”, diz Glenn Croston, autor de Starting Green – From Business Plan to Profits (“Começando verde – do plano de negócios aos lucros”, sem edição brasileira). E essa onda verde não é passageira. “A questão ambiental é de difícil solução. Oportunidades vão continuar a aparecer em grande escala por bastante tempo”, diz André Carvalho, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração da FGV, em São Paulo.

Chamado à consciência
Mas como foi que as empresas verdes, antes tão escassas, foram se tornando cada vez mais importantes no mundo dos negócios? Para entender essa questão, é preciso voltar aos anos 1960, quando surgem as primeiras empresas dedicadas a produtos e serviços com menos impacto no ambiente. Glenn Croston chama essa primeira onda de Verde 1.0: da Pré-História até a Segunda Guerra Mundial, por mais que o homem destruísse a natureza – gerando lixo, desmatando florestas, gastando matéria-prima –, ela parecia capaz de se regenerar. A percepção geral era de que os recursos naturais eram vastos e infinitos.

Mas, com o crescimento populacional e a industrialização no pós-guerra, o impacto ambiental começou a se acelerar. A lógica do consumo rápido se tornou dominante e a forma de produção se alterou, preparando-se para atender uma sociedade em que descartar rapidamente um produto para comprar um novo era a regra. Então, nos anos 1960, começou o movimento ambientalista, que defendia a conservação de recursos e denunciava o uso de pesticidas nos alimentos. Foi dentro desse cenário engajado que surgiram as primeiras empresas com preocupação ambiental. A maioria das companhias convencionais, porém, brigava até o último momento para não ter que se adaptar às crescentes regulamentações, que limitavam, por exemplo, a poluição e o uso de materiais nocivos. Cada nova lei ambiental era combatida com potência máxima pelos advogados das empresas, nos tribunais. Foi nessa época que as montadoras começaram a fazer os carros elétricos, para logo depois retroceder.

Após esse primeiro momento, veio o chamado Verde 2.0, em que alguns empreendedores visionários perceberam que fazer negócios sustentáveis poderia ser também lucrativo, além de ajudar o meio ambiente.

Essa visão tinha ainda uma vantagem: escala. Afinal, para competir com os produtos tradicionais, as empresas precisavam ter tamanho e capacidade produtiva. E assim chegamos ao momento atual, o Verde 3.0, em que os negócios verdes começam a se tornar mainstream. “Algumas categorias, como produtos de limpeza, já são mais verdes. Mas temos um grande caminho a percorrer até todas as categorias de produtos chegarem lá, que é o que vai acabar acontecendo”, diz Croston.

Esse será o momento 4.0: quando o verde fizer parte de todos os negócios e for um prérequisito para a competitividade das empresas. Nessa hora, nem precisaremos mais falar em negócios verdes, afinal, todos o serão. “O processo poderá ser parecido ao do movimento pela qualidade nas empresas, que ocorreu nos anos 1990”, afirma André Carvalho. “Na época, os consultores só falavam nisso. Hoje a qualidade não deixou de ser importante, mas quase não se fala no tema, pois ele foi incorporado pelas empresas”, diz. Novas demandas

Quando a Mãe Terra começou, há 30 anos, ser ecológico ainda era um diferencial. A marca surgiu como uma lojinha de produtos naturais, fundada por um empresário que achava importante que as pessoas se alimentassem de forma mais natural. Produtos como açúcar mascavo, aveia e arroz integral eram comprados de pequenos produtores e vendidos na loja, em São Paulo, que depois passou a abrigar também um restaurante. Aos poucos, a demanda pelos produtos da empresa aumentou. Tanto que logo começaram a ser vendidos em larga escala, para todo o país. Comprada em 2008 pelo empresário Alexandre Borges e por sua sócia, que viram na companhia potencial ainda maior para crescimento, a Mãe Terra tenta hoje atingir um público mais amplo, que não é o consumidor clássico de alimentos naturais. “A Mãe Terra surgiu em uma época em que se acreditava que era preciso fazer certos sacrifícios para comer bem”, diz Alexandre. “Hoje, sabemos que, para atingir mais pessoas, alimentar- se de forma integral deve ser algo gostoso, agradável.” Os investimentos da marca em sustentabilidade não ficam apenas nos alimentos orgânicos e integrais. A empresa está lançando o Pensando Bem, programa de rastreamento da cadeia produtiva em que é possível descobrir, pelo site, o impacto ambiental dos produtos do plantio até a prateleira do supermercado: consumo de água, emissão de poluentes, biodiversidade, saúde do solo, geração de resíduo, bem-estar animal etc.

Hoje, já não é difícil encontrar alimentos orgânicos no mercado. Porém, apesar do crescimento acelerado de cerca de 30% ao ano, os alimentos orgânicos ainda representam apenas 2% da produção mundial. Mas por que esse número não é maior? “Algumas pessoas irão comprar produtos verdes porque acham que é bom para o planeta, mesmo que sejam mais caros. Outras irão comprar se faz bem para a saúde ou têm algum benefício, como a economia de energia”, diz André Carvalho. “Mas a maioria só vai se convencer se o preço, a qualidade, a embalagem, o marketing, tudo for mais ou menos equivalente ao do produto convencional.” Hoje, com supermercados como Wal-Mart e Pão de Açúcar investindo para ter linhas mais ecológicas, alguns itens são produzidos em escala suficiente para ter o mesmo preço que os tradicionais.

Para que os produtos possam competir com os convencionais, é preciso investir em inovação. “Hoje existe o pensamento de que é possível minimizar os impactos ambientais com inovações que deixem as empresas mais eficientes e reduzam o desperdício”, diz André. São ideias como as da empresa Ecotelhado, que surgiu há seis anos em Porto Alegre.

Dois engenheiros, um agrônomo e um civil, que já eram sócios em uma construtora, resolveram mudar o foco da empresa e passar a investir apenas em infraestrutura verde para as cidades. O primeiro produto que desenvolveram foi o telhado verde, uma camada de plantas que vai sobre o teto das casas e prédios e assim ajuda a reter a água da chuva e a manter a temperatura amena. Com base feita de materiais reciclados, a tecnologia do telhado verde nacional pode sair pela metade do preço dos equivalentes gringos. “Negócios verdes são uma quebra de paradigma. Temos que ir construindo nosso mercado”, diz João Manuel, o engenheiro agrônomo. No início, conta, as pessoas tinham muitas dúvidas a respeito da tecnologia. Será que vaza? E os bichos? Mas, aos poucos, conquistaram espaço. Hoje a Ecotelhado está presente em várias cidades do país, e novos produtos, como a parede verde e o pavimento permeável, passaram a integrar o portfólio da empresa. “Pensamos nos produtos a partir dos problemas das cidades grandes. Os sistemas de urbanização antigos não funcionam mais”, diz João. O reconhecimento do potencial do telhado verde está, por exemplo, no projeto de lei que tramita na Câmara dos Vereadores de São Paulo, com a intenção de fazer com que todas as novas construções sejam dotadas do sistema.

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